Desde que a
Constituição Federal deu seus primeiros passos quase vinte e cinco anos atrás, os
princípios da Moralidade e da Impessoalidade passaram a constar dos concursos
públicos e das matérias de Direito Público nas faculdades de Administração,
Contabilidade, Economia, Serviço Social e, obviamente, Direito. Moralidade e
Impessoalidade são dois princípios indispensáveis, por exemplo, na seleção de
quem receberá bolsas do governo ou de quem frequentará os bancos das mais
prestigiadas universidades do país, na escolha dos agricultores comprometidos
na reconstrução do meio-ambiente ou na recusa de produtos oriundos do trabalho
escravo infantil, na escolha de quem precisa de cestas básicas ou de recursos
emergenciais depois que as chuvas levaram sua casa e seus móveis.
Impessoalidade e
Moralidade são duas obrigações que a Administração Pública deve seguir a fim de
evitar que pessoas sejam favorecidas em determinadas situações como, mais um
exemplo, nos milhares de concursos públicos realizados anualmente nas três
esferas de governo – municipais, estaduais e federal, nas empresas públicas e
nas sociedades de economia mista e nos três poderes que dirigem a República –
Judiciário, Legislativo e Executivo.
Quando os concursos
públicos descumprem um desses princípios – ou os dois ao mesmo tempo – a lei é
ferida e, consequentemente, o Ministério Público – através de denúncias da
sociedade civil organizada ou por iniciativa própria – age para restabelecer a
legalidade e a ordem. Foi o que aconteceu recentemente na cidade de Maracaí: o
concurso público realizado durante a gestão de Bete & Heber aprovou
parentes, conhecidos e correligionários da dupla cuja líder pagou apenas seu
salário enquanto dezenas de funcionários do Hospital, do SASSOM e do asilo
ficaram em apuros no fim do ano.
A ADPCIM (Associação
de Defesa e Proteção do Patrimônio Público e dos Direitos do Cidadão de
Maracaí) denunciou as irregularidades verificadas já na contratação da empresa.
Dispensada da licitação, tanto a empresa quanto a ex-prefeita Elizabete de
Carvalho respondem à Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa
movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
A ilegalidade: a
empresa do concurso precisava ter sido contratada por meio de licitação, mas
não foi. Onde estaria a imoralidade? A imoralidade residiria na aprovação de
parentes, amigos e correligionários de Bete & Heber. Claramente parentes,
amigos e correligionários de Bete & Heber podem – e devem – prestar
concursos públicos: é um direito constitucionalmente assegurado aos brasileiros
natos e naturalizados que preencham determinados requisitos. Mas não é curioso que
muita gente – parentes, amigos e correligionários – tenha sido aprovada em
concurso público promovido por empresa contratada sem licitação durante a
gestão da dupla?
Depois que o
Ministério Público obteve liminar anulando o concurso público, os beneficiados
pelo mesmo concurso entraram com Agravo no Tribunal de Justiça de São Paulo que
temporariamente permitiu o retorno ao trabalho. Observe que o Tribunal de
Justiça permitiu o retorno “temporário”. Temporário não significa definitivo.
O Tribunal de Justiça
já tinha mantido situações semelhantes, constitucionalmente derrubadas pelo
Supremo Tribunal Federal. Exemplo? Alguns funcionários do Tribunal de Contas do
Município de São Paulo recebiam muito além do teto permitido pela lei: enquanto
a lei determinava que o salário deveria ser de, no máximo, R$ 25.000,00 por mês
(referentes ao salário do prefeito), muitos servidores recebiam entre R$
50.000,00 e R$ 60.000,00. O Tribunal de Justiça permitiu que esses funcionários
continuassem ganhando essa montanha de dinheiro, mas o Supremo Tribunal Federal
(leia-se Joaquim Barbosa) deu a canetada e acabou com a farra.
A Justiça demora a
acontecer, mas ninguém escapa quando chega a hora. É o caso – mais um exemplo –
de Rancharia, estampado na primeira página do “Oeste Notícias” (Presidente
Prudente – SP) de 17 de janeiro – “STF manda demitir 21 funcionários concursados
há 17 anos” – cujo trecho transcrevemos: “Por determinação do STF, a prefeitura
de Rancharia demitiu 21 servidores, em 3 de janeiro, por vício no concurso que
lhes deu posse, 17 anos atrás. Não cabe recurso da decisão. Os trabalhadores,
de diversos setores, teriam sido surpreendidos pela notícia no primeiro dia
útil do ano”.
Como vemos – seja
pela situação irregular dos funcionários do Tribunal de Contas do Município de
São Paulo, seja pela dos servidores municipais de Rancharia – o Tribunal de Justiça
de São Paulo pode até garantir temporariamente o prolongamento de situações que
prejudicam o interesse público, mas, no fim do jogo, o Supremo Tribunal Federal
acabará com a festa.
Sem dúvida o concurso
público realizado pela gestão da dupla Bete & Heber por meio de empresa
contratada sem licitação existiu. Mas, fica a pergunta: o concurso serviu para
atender ou beneficiar qual “público”?
***
Na próxima semana,
que tal falarmos de Educação?
Vicentônio Regis do
Nascimento Silva (www.adpcim.blogspot.com)
é presidente da Associação de Defesa e Proteção do Patrimônio Público e dos
Direitos do Cidadão de Maracaí (ADPCIM).
*Publicado originalmente
em O Regional (Tarumã – SP) de 2 de
fevereiro de 2013.
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